BENVINDO!

Sentemo-nos a mesa das memórias de vida, roteiro de viagens, imaginações e arrebatamentos artísticos acompanhados de uma poesia melódica ou um conto massajante que envolva o espírito numa passeata sem limites!

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

QUANDO SEM HORA

Um cometa em plena recta não é meta de quem se presta a fazer carreira na hora certa! Um cometa não concerta quem vegeta em festa sem vereda nem cerca! Um cometa é maneira quando o mundo é peneira!

NO LIMITE DO TEMPO

É o tempo eu creio Andei comendo sem freio Hoje lamento sem meio É o tempo eu vejo Andei correndo sem marco Hoje carrego cem fardo É o tempo eu leio Andei vivendo sem texto Hoje mendigo em leito É o tempo eu sinto Andei com medo Sem peito Hoje seguindo sem caminho

O SALTO DE KAMULUMBA

Kamulumba é um corcunda de vida simples e olhar inocente que caiu na mendicidade por simples abandono dos pais e parentes, num kimbo de solidariedade precária como em nenhum outro nessa Angola imensa. Fustigado pelo desgosto, certo dia decidiu peregrinar desafiando sua limitação física de menino de olhar vesgo, pernas imóveis e braços sem forças. Pretendeu usar a sua cabeça imensa tamanho família, para avançar numa corrida sem volta para além do tempo e do kimbo. Tanta foi a vontade que esqueceu a bagagem e tanta a coragem que desapareceu escuridão dentro. Com uivos de lobos e coaxar de rã, Kamulumba aventurou-se em mata densa num arrastar de réptil cansado. Chegou enfim, junto a um riacho de água cristalina cintilando pela luz das estrelas no escuro da noite. Pensou vezes e mais. Nenhuma ideia lhe socorria a necessidade de atravessar o simples riacho de águas sem fundo. A outra margem se separava a meia salto de um jovem completo. Pensou vezes e meia e vezes com pena. Chorou sem retorno da escuridão selvagem morta de sono. Lembrou-se enfim que viveu lamentando sem única ajuda. Pensou em si como solução única e apoiando o pesado corpo sobre os frageis braços gritou alto e saltou!

O ANO DE KAZUMBULA

Para quem não conhece a cultura dos povos kimbundu originários da região de Ambaca (antiga capital do reino do Ndongo) hoje Dondo - Província do Kwanza Norte, Kazumbula é o nome dado ao último filho de uma mãe que morre, por acidente ou destino, depois do parto. Os filhos que assim nascem ganham má reputação na comunidade. São tidos como assassinos da própria mãe e como tal odiados ou despresados. Por azar dos pecados, Kamalangabangaba era um desses "kazumbulas" que ganham mau destino por terem a mãe desaparecida e a comunidade desinteressada no seu ser e estar. Ciente desta realidade, kazumbula entregava-se de corpo e alma em tudo quanto fizesse para ser aceite como igual aos outros meninos e fazer desaparecer o mito dos "kazumbulas". E a natureza dotara-lhe de habilidades fenomenais. Podia trepar arvores altas, carregar cargas como um burro, carretar água há kilometros de distância, transportar lenhas pesadas, cortar troncos largos, caçar toda espécie de animais e insectos entre outras habilidades e façanhas. Entre as raparigas tinha a fama de se prestar a todo o tipo de serviço a troco de nada, entre os rapazes, a capacidade de suportar os piores vexames e insultos entre os velhos a capacidade de ser útil em tudo e mais alguma coisa! Era um verdadeiro "pau mandado" ou camelo se quisermos ao serviço de todas as almas, boas e ruins, bem intencionadas e mal desejadas! Não fazia por burrice ou atraso mental e nem por distracção ou diversão. Era a sua estratégia de integração na comunidade que nunca o perdoou por culpa que não era dele e por ódio e desprezo que a própria comunidade não entendia. Apesar disto, a sua condição selou o destino. Todos queriam os préstimos de Kamalangabangaba mas quando adoecesse, tivesse fome, sede ou problemas de qualquer tipo, ninguém se lembrava sequer da sua existência. Abondonava-no até que um viajante, animal, planta ou sorte se encarregasse de lhe suprir a necessidade ou curar a doença. Devido a necessidade de ser médico de si mesmo, Kamalangabangaba se tornara num verdadeiro especialista em muitas coisas ligadas a cura: plantas medicinais, tratamento com fezes ou pedras, asas de insectos ou de morcego, enfim, não fosse ter a sua "farmâcia" escondida longe do kimbo seria facilmente confundido com bruxo ou kimbandeiro da liga do mal. Entretanto, ninguém mesmo sabia que ele dormia no curral de bois da comunidade e que uma vaca, provavelmente enviada por Deus, lhe amamentou e alimentou junto de bezerros até se tornar um dos membros do curral. Nem mesmo lhe lembravam dos parentes que desapareceram sem deixar rastos após a morte da mãe, quando tinha apenas dias de idade. Era uma espécie de Tarzan criado por bois sem contudo ser entendido por estes porque nem mesmo no curral o gado se prestava a confiança de um kazumbula, apesar da convivência pacífica. A comunidade sabia apenas que Kazumbula existia. Era um facto! E assim foram dias, semanas, anos e por aí fora. Até que um dia, a saudade pela mãe bateu forte no peito e a solidão com ela que decidiu desaperecer pelo mundo fora. Descobrir um mundo sem kazumbulas ou uma mãe mesmo. Achou-se iluminado pela ideia e decidiu partilhar com a comunidade. Era em vão que procurava contar o seu projecto. Ou era interrompido por brincadeiras, conversas ou gargalhadas sem relação com assunto. Só a velha Kingoho, por surdez, ficou impávida a olhar para os movimentos da boca do miúdo entusiasmado com a viagem. Mesmo assim, decidiu despedir-se de todos, na vºa esperança de uma festa ou reunião de despedida. Nada disso aconteceu. Ao aceno da sua mão ou grito de adeus ninguém se prestava a olhar ou a corresponder o aceno. Alguns até nem se apercebiam dos seus gritos ou acenos. Mesmo a saida do kimbo só o gado mugia a sua passagem, os pastores nem sequer se apercebaram da sua passagem entre o gado. Assim partiu para bem longe sem mapa nem bússula. Passaram-se dias e dias, e a comunidade descobria-se sem a presença de Kamalangabangaba. O capim invadia as casas, o campo de futebol improvisado afundava no capim, as fezes do gado, das cabras, porcos e galinhas invadiam as casas. Perante o descuido repentino e falta generalisada de saneamento básico, todos gritavam pelo mato, pelo kimbo e pelos cantos das casas a procura de Kamalangabangaba com eco sem sucesso. Ninguém sabia explicar o paradeiro da mascote do kimbo. O rapaz desaparecera como do nada para nada. O ano passava e a comunidade via a sua economia a afundar dia após dia. As lavras deixaram de produzir, o gado emagreceu e morreu, as galinhas, os patos e outras aves morreram de "kibhubhe", os coelhos e porco da india de peste até os bichos do mato começaram afastar-se para bem longe impossibilitando a caça. O capim fresco começou a escassear dando lugar ao capim ruim que os animais não podiam comer. A chuva parou de cair ao rítmo diário sem data de regresso. As crianças começaram a adoecer e a morrer. A água do rio desaparecera com a seca que tomou conta da região. De tão grave a situação os velhos e o soba reuniram para tomar medidas urgentes sem sucesso. Especulavam sobre tudo. culpados da crise eram todos: feiticeiros, sereias, mahambas, kifumbes, kazungus e tudo, mas nada! Assim a aldeia foi minguando, minguando... num ano de azares e desgraças, desesperos e fome. Num ano em que Kazumbula partiu em busca de esperança e amor, em busca de parentes e amigos: Era o ano de Kazumbula!

DONA SANTA DO SAMBILA

Dona Santa é o único sinal que resta dos tempos áureo de Santa kambundi. Tempo de boa vida, carne fresca, peixe grosso e má fala aos pobres e longe dos azares e desgraças. Agora mana kambundi, porque se misturou com os que mandava sem dó no calor de senhora mandona, vive a contar os dias de amargura que a morte do marido em dia sem sorte deixou como herança sem única esperânça. Se tinha aquilo, não tinha filhos. A dor que sentia era mesmo só da falta do marido que levou os momentos de riqueza sem deixar mínima que seja. Ter deixado na amargura de raspar o arroz queimado no fundo da panela, de beber água em copos farrusco. A casa foi recebida pelos parentes do marido. Quando pôs o caso no tribunal para reaver a casa, os carros e outras coisas, já tudo tinha desaparecido e com eles os parentes para kimbos diversos nesse mundo sem pena das viúvas. Dizem as más línguas que depois do juíz decidir o que ela merecia já anos tinham passado e a casa construída com sacrificio foi destruída com malefício por parentes que não sabiam como dividir uma única casa, os carros foram queimados por invejosos e os recheios e roupas distribuidos entre sobrinhos, primos, manos, amigos e tios distantes. Ficou assim sozinha a fazer o balanço dos bons tempos aqui na vida amarga sem vontade. O olhar raivoso ficou mendigo e o falar fino virou caxico de fofoqueiras baratas do Sambila. É já vulgar como a vagar de casa em casa, bebendo kimbombo ou atraindo fácil antigos empregados que sonhavam com cobiça a difícil patroa. Era a mandona que virou carona de todos que quizessem andar a toa numa noite a solta sem nada a volta para dar fofoca. Tomava míseros trocos de uma rápida no barro da parede de pau-a-pique de machos também cornos para mais kimbombo. No mundo em volta um mar de insultos, no sonho tosco um rio de saudades e desgostos. É assim Santa Kambundi.

ANA MALUCA

Ana Maluca, menina mulata de corpo doce como nenhum outro que fosse num bairro limitado a delirar por ela cheia de posses. Enloqueceu na crista da morte da mãe faz-tudo que levou tudo que pudesse fazer sustento. Enloqueceu para esconder a vaidade de não mendigar um pão em qualquer vizinho que chamou cão num passado de vida abastada junto de rameiras bastardas criadas pela mãe sacrificada. Naquele tempo, criou o mito de mulher cara que não leva a cara na rua sem um carrão. Hoje de olhar perdido e espírito aflito, deambula na rua rebolando a mbunda, quando passa diante dos putos da banda. Ninguém mais olha o sujo que cobriu a pele lustra, a palha que misturou o cabelo liso. Passa sem brilho num sonho passado ao embrulho em jovens galanteadores, dantes admiradores, que só gritam de abuso: Ana Maluca!

PUXANDO CAVALO!

Puxando Cavalo é um velho limpa fossa que ficou famoso por sobreviver a um forte coice de burro que pelo tamanho foi confundido cavalo pela tontura da dor e atraso mental do mano ao lado. Baixo e curvo, Puxando Cavalo é nome dado pelas crianças que vem do tal azar na juventude mais o esforço que faz e a posição que toma quando puxa latas cheias em fossas entupidas. Famoso entre as crianças, se passa na rua é Puxando Cavalo se visto na igreja ao lado do catequista é Sô Pereira. Velho de anos quase século é forte com muita sorte de não morrer naquele acidente. Goza a vida de kaporroto em kimbombo, de liamba em tabaco, de funji de carne em pirão de lombi, de casaco rasgado em camisola velha, de bicicleta cansada em pés descalços..., é mesmo Puxando Cavalo!

O DESGOSTO DE MAKANDUMBA

MAKANDUMBA senhor de muitos problemas como o nome indica é um tipo insuportável e de trato difícil. Ter esposa foi o maior acontecimento da sua vida num kimbo em que nenhuma mulher queria ter o azar de com ele conviver. E não teria se nos kimbos as mulheres não fossem indicadas a desposar um certo tipo antes mesmo de nascerem. Grito por fazer, grito por não fazer, ralhete por falhar ralhete por acertar. Para tudo um motivo para explodir e para nada mil formas de se impor. Filhos, netos e bisnetos cansados de tanta arrogância e a comunidade habituada ao limite de o suportar. Certo dia, o conselho de anciões da aldeia, já farto das suas torpes e inoportunas intervenções, decidiu dar-lhe uma valente lição. Com a doença do Soba, nomearam-no chefe interino da aldeia. Começou então a dura jornada que o levaria a ver os problemas dos homens num outro prisma. Manteve a arrogância até ver os súbditos a perderem vontade de o obedecerem. Os problemas agudizavam e as dificuldades desgraçavam a todos. Mais aumentava a arrogância na vã tentativa de controlar os problemas mais os problemas aumentavam. Assim dia após dia, semanas após semanas até que todos decidiram que devia deixar de exercer as funções. O que acabou por acontecer quando o soba recuperou da doença. Este voltou as exercer as suas funções e os problemas resolveram-se todos. Só então Makandumba percebeu que a sua forma de ser era a causa dos problemas que tinha a sua volta. Embora reconhecesse não podia mudar o carácter. Diante do fracasso da sua natureza e ferido o orgulho de homem abandonou, sozinho e sem nada, o kimbo!

A CAMINHADA

Quando noite, melhor é estar a porta. Velho Kimakienda senhor de muitas senhoras e filhos aos monte, insistia em chegar tarde todos os dias. Mulher primeira farta de chamar atenção pelos atrasos não justificados, se era a outra a ocupar ou ser eram problemas a tratar. Vezes e vezes sempre. Até que certo dia vinha habituado da sua caminhada quando avistou a aldeia na distância de um fio de fumo que se soltava de uma fogueira com barulho a distância. Lar! - Pensou consolado da canseira que sentia. Andava acelerando o passo para mais próximo estar e a fogueira diminuia no tamanho com o som a fugir. Estranho! - Pensou. Andava e andava a testar a sua visão e a verdade é que o tamanho diminuia ainda. Andava, mais andava e menos grande era a fogueira até sentir-se tão distante que começou a ganhar medo do escuro do mato. gargalhadas vinham perto como gente estranha a troçar. As hienas têm o mesmo sorriso! - pensou. Mais andava mais se distanciava até sentir o cansaço da insistência. Caiu desesperado com os joelhos na estrada de areia e capim ao meio e assim pode ver a fogueira distante também parada. Nisto uma luz mais pequena e mais próxima que a fogueira, vinha ao seu encontro. Uma luz branca como a do farol de uma bicicleta progredindo no negro do escuro. Teve medo, encheu os pulmões e colocou-se em pé sobre as pernas trémulas para enfrentar o estranho. A luz chegou perto até encandear os olhos que cobria com as mãos a esquivar o feixe de luz a ver o quem a sustentava. A luz apagou, e um rosto sob um corpo gigante sem perna visível fitou acima de quase quatro metros. Percebeu que uma lanterna agarrada pela mão esquerda vinha junto do joelho da estranha figura. Kazumbi!!!! - Gritou tão alto que acordou junto da esposa na cama. Esta acendeu o candeeiro de patróleo. Rápido percebeu que era sonho. Suava e transpirava de aflição quando se lembrou que neste dia tinha chegado, como sempre, muito tarde.

CONSELHOS ÚTEIS

Não te agarres aos bens materiais, doutro modo não tens como preservar a liberdade. Testa-te a ti mesmo: ao partilhar algo valioso com alguém veja se és capaz de permitir que o outro leve a maior porção sem que a dor do arrependimento ou inveja te trespasse o coração.

MESTRE OVÍDEO

Quem põe ponto final numa paixão com o ódio, ou ainda ama, ou não consegue deixar de sofrer.Ovídio Esforçamo-nos sempre para alcançar o proibido e desejamos o que nos é negado.Ovídio Sê amável para ser amado.Ovídio Quem aceitou um beijo e não aceita tudo, merece perder aquilo que recebeu.Ovídio Se eu pudesse, seria mais sensata; mas uma força nova / arrasta-me contra a minha vontade, e o desejo / atrai-me a uma direção, e a razão, a outra: / vejo e aprovo o melhor, mas sigo o pior.Ovídio